A
possibilidade de ter a participação de Lula na batalha pela
democratização da mídia será um aporte "extraordinário" para o campo
progressista e uma dor de cabeça para os defensores do status quo. E a
Nominação de Ricardo Berzoini no Ministério das Comunicações é um fato
importante porque ele tem demostrado estar "sensibilizado" com a
necessidade de mudanças, um objetivo onde tem como aliados os ministros
Miguel Rossetto, Jaques Wagner e Pepe Vargas.
Reprodução
Venício Lima
Venício Lima
Estas são algumas das reflexões formuladas pelo professor Venício
Lima, um dos acadêmicos que tem estudado com maior rigor e durante anos
as interfaces entre poder e mídia no Brasil, onde impera um dos sistemas
de propriedade mais concentrados do mundo. Durante entrevista com Carta Maior ele repassou a história das manobras das oligarquias jornalísticas na defesa de seus privilégios.
Uma historia cuja origem é anterior ao golpe de 1964 e continua ate hoje
com campanhas da mídia e da oposição tucana, destinadas a intoxicar o
debate público.
Carta Maior- Qual importância da eventual participação de Lula na batalha por mudanças na mídia?
Venício Lima- Acho que a participação de Lula será muito
importante, será extraordinária. Agora temos que aguardar, mas é fato
que o presidente Lula teve uma postura clara sobre esta questão. Ele
está realmente comprometido com mudanças na mídia.
Lula terá peso num debate que será muito intenso, um debate que com certeza será manipulado pela grande mídia...
É necessário que o debate chegue à sociedade, porque você só conseguirá
mudanças se conseguir mobilização, porque existe uma relação de forças
muito desigual no Parlamento, onde há uma maioria conservadora inimiga
da regulação da mídia.
Temos de lembrar que essa discussão sobre democratização da mídia está
sendo feita no Brasil há muitos anos, temos de recordar a Conferência
Nacional da Comunicação em dezembro de 2009 e, no final do segundo
governo Lula, em 2010, o ministro Franklin Martins (Secom) realizou um
seminário internacional, que trouxe representantes das agências
reguladoras dos EUA, da Inglaterra, da Argentina, da França, etc. Esse
material está todo disponível, foi um seminário boicotado pela mídia.
Junto com o possível debate, aumentaram os ataques da mídia oligárquica contra Lula.
Sim, estão atacando duramente o Lula, na verdade os grandes grupos nunca
deixaram de atacá-lo. Agora, nesses dias, até falaram que tem câncer de
pâncreas (portal UOL), sinceramente é a primeira vez que ouvi
falar que alguém tem câncer de pâncreas e não morre logo, porque o
câncer de pâncreas mata em semanas. Claro que isso é mentira.
O jornal Valor vinculou Lula ao financiamento do carnaval e do jogo do Bicho.
A gente acha que Valor tem um pouco mais de responsabilidade jornalística que O Globo, Estado, Folha
porque é um jornal dirigido para empresários. Mas isso que você está me
falando de Lula e os bicheiros até causa graça. A destruição de Lula é
permanente em toda a grande mídia. É algo inacreditável.
Mas é verdade que o poder da mídia para determinação do voto já não é a
mesma de 25 anos atrás, se você compara uma eleição de hoje com a
eleição de Collor (1989) é uma eleição completamente distinta. Eu falo
isso porque estudei profundamente aquela eleição que foi a primeira
depois da ditadura. O país mudou, hoje a circunstâncias são
completamente distintas, o nível educacional aumentou muito, você tem
uma inclusão social e econômica que não tinha naquela época e você tem
internet, que não é determinante, mas que é capaz de se contrapor à
grande mídia como já foi comprovado desde as eleições de 2006. Então a
grande mídia não tem o poder que já teve, mas ainda tem um poder
desmesurado...
Acha que a presidenta já arquivou a ideia de uma trégua com a grande mídia?
Um dos problemas que tivemos foi a ilusão dos governos, inclusive os
governos de Lula e Dilma, de que é possível negociar com esses grupos.
Em algum momento parece que Lula se deu conta de que isso não é
possível, ali é possível explicar porque foi criada a Empresa Brasileira
de Comunicação (segundo mandato). Acontece que a criação da EBC não foi
seguida da construção de um sistema de mídia pública, que aliás é uma
das coisas que não está regulamentada do artigo 223 na Constituição, o
espírito desse artigo é o da complementaridade entre modelos público,
privado e estatal.
Por outro lado o Poder Executivo não apoia na medida necessária a
construção de um sistema público que sirva de alternativa de qualidade
ao sistema privado dominante.
A presidenta Dilma tem falado em regulação e designou Berzoini, um
dirigente petista que defendeu a democratização. Como vê esses sinais?
Veja só, até onde eu sei o ministro Berzoini é um homem cuja
caraterística é a capacidade de articulação no Parlamento, ele foi
ministro das Relações Institucionais. Eu não tenho informações de
bastidores, porém o que circulou na mídia é que o ministro das
Comunicações ia ser Jaques Wagner, mas evidentemente houve algum
impedimento... não sei. Ou talvez Berzoini não quisesse continuar em
Relações Institucionais.
Berzoini não é da área (da mídia) mas acho que o fato de sua ida ao
ministério é relevante porque ele tem um acúmulo de declarações e de
posições políticas sobre a necessidade de democratização do setor, e
isso é muito importante.
Aliás, no gabinete da presidenta Dilma, também está Jaques Wagner
(Defesa), ele foi o único governador que incentivou um conselho estadual
de comunicações num estado como a Bahia que emergia do carlismo, então
ele também tem familiaridade com á área.
O secretário geral, ministro Miguel Rossetto, deve desempenhar um papel
importante na questão da mídia, ele que será o responsável pelo diálogo
com os movimentos sociais e será um dos ministros que estará naquele
núcleo duro da Dilma.
Rossetto tem total sensibilidade nessa questão, e o ministro Pepe Vargas
(Relações Institucionais) certamente também tem sensibilidade. Isso
significa que a presidenta estará cercada de ministros como Vargas,
Wagner, Rossetto e Berzoini, que sabem da importância do tema das
comunicações.
Falou-se que Berzoini quer criar uma agência de mídia similar à de Portugal.
Com relação à criação da agência, depois da posse Berzoini desmentiu que
estava tomando a agência portuguesa como referência. De qualquer
maneira, ela não é de regulação econômica da mídia. Ela tem alguma
semelhança com o modelo inglês que recebe reclamações sobre eventuais
desvios da mídia em geral, uma comissão que já foi dissolvida depois do
informe da comissão Leveson (2012, por causa do escândalo do jornal
britânico News of the World).
Por enquanto o ministro falou que não temos nenhuma referência inicial,
que está aberto a ouvir a todos, tive a impressão de que ele estava
zerando a discussão, o que também é interessante.
Tem expectativa que Berzoini possa avançar mais que o ex-ministro Paulo Bernardo?
O ex-ministro Bernardo não deu continuidade às iniciativas do final do
governo Lula, como a Conferência Nacional de Comunicações de dezembro de
2009, e outras iniciativas.
Mas eu sou testemunha de uma afirmação de Paulo Bernardo em que ele
disse que ele era um ministro que tinha chefe, e ele seguia orientação
da presidenta Dilma. Então a verdade é que não foi uma questão só de
Paulo Bernardo.
Então não se deu continuidade ao que foi feito no final do governo Lula
pelo ministro Franklin Martins por decisão do governo. Por isso eu tenho
afirmado que gostaria de ver agora uma posição mais clara, menos
reticente, da própria presidenta com relação a essa questão da regulação
da mídia.
Qual a melhor tática nessa batalha. É bom enviar projeto lei de regulação ao Parlamento de maioria conservadora?
Eu sou absolutamente suspeito para responder isso porque tenho a muitos
anos insistido que há um erro de estratégia política. Até escrevi um
livro sobre isso.
No meu ponto de vista você tem que levar a discussão sobre regulação ao
nível local, regional, estadual, mostrar às pessoas que isso tem a ver
com elas.
Eu tenho dito que uma estratégia mais correta seria criar os conselhos
estaduais de comunicação que estão previstos em 10 constituições
estaduais e na lei orgânica de Brasília. Aliás, o artigo 224 da
Constituição nacional cria o conselho de comunicação nacional, porém até
hoje só foi criado o Conselho da Bahia, o de Alagoas foi criado de cima
para baixo para favorecer o governo local.
A tal regulação econômica está na Constituição, então o que é necessário
é regulamentar e cumprir a Constituição, o que já está lá há 20 anos, e
desse modo você obriga a quem for contra a regulação que tenha de
contestar a Constituição. O que aliás já foi feito pelo Paulo Bernardo,
que falou que não fazia mais sentido discutir a questão da propriedade
cruzada.
O modelo brasileiro é quase único no mundo, e ele não tem nenhuma
forma de regulação. Onde está a explicação dessa originalidade?
É verdade, em algumas questões nunca tivemos nenhuma regulação, é um
caso possivelmente único... nas principais democracias do mundo a
propriedade cruzada está regulamentada desde sempre para atacar a
formação de monopólios e oligopólios.
Eu diria que é um tema de pesquisa estudar como é que nós chegamos onde
estamos, as opções fundamentais que determinam a configuração do sistema
brasileiro de mídia começaram a ser tomadas na época de Getúlio Vargas,
com dois decretos da década do 30, e foram se consolidando ao longo do
tempo.
Eu me dei conta quando tive de redigir um texto para um seminário dos 50
anos do golpe, o tema era "Herança da Ditadura na área da Mídia" e
quando fui ver, a verdade é que você não pode atribuir a configuração
estrutural do sistema à ditadura, ele é anterior à ditadura, ela foi
piorada no período da ditadura.
A história da sabotagem à regulação continua até hoje quando o PSDB
lança ataques preventivos contra Berzoini e qualquer intento de debater
uma lei.
Se você pegar as declarações dos dirigentes do PSDB e do deputado
Eduardo Cunha (líder do PMDB) se perguntaria contra o que elas estão
reagindo.
Eles falam da regulação como uma suposta forma de censura, e eu
perguntaria: quem está defendendo a censura? Ninguém está falando que
não vai ter liberdade de imprensa.
Na verdade a regulação da mídia fala em regulação daquilo que já está na
Constituição, a menos que essa pessoas se declarem, por exemplo, contra
o artigo 221, da regionalização da produção, que incentiva a produção
independente que fala da produção regional cultural, artística,
jornalística.
É impressionante ler as coisas publicadas pelo colunista Josias (de
Souza). Ele é especialista em falar contra regulação... e tem outros
jornalistas que fazem perguntas do tipo "o senhor está a favor da
censura?", aos parlamentares . Essa é uma forma de controlar a
linguagem, de controlar a narrativa, isso é seríssimo, e a grande mídia
tem o poder de fazer isso.
- A hegemonia da qual já falava Antonio Gramsci?
Exatamente, exatamente... é estudando a utilização da linguagem na
unificação italiana que Gramsci inicia os estudos da hegemonia. Ele se
deu conta da importância que teve para unificação italiana (século 19) a
unificação da linguagem.
Aqui no Brasil você aprisiona o debate da regulamentação dentro de uma
narrativa falsa e isso é o grande problema que temos na luta pela
democratização da mídia, porque o debate foi aprisionado numa gramática
que não é a real. E alguns colunistas que defendem interesses contrários
à mudança do status quo são muito eficientes na consolidação de um
vocabulário, que foi o que já aconteceu com a narrativa do mensalão,
sobretudo durante o julgamento da ação penal 470.
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