Sucre: Uma moeda virtual contra a ditadura do dólar - Portal Vermelho
Criado em 2010, o Sucre (Sistema Único de Compensação Regional de Pagamentos), moeda virtual para o comércio entre os países da Alba (Alternativa Bolivariana para os Povos da Nossa América), além de fortalecer as economias do bloco é um forte mecanismo de integração regional. Em conversa com o Vermelho, o economista e professor da Universidade da Integração Latino-Americana (Unila), Luciano Severo, esclarece como funciona este sistema.
Por Vanessa Silva, da redação do Vermelho
Ideais integracionistas não são novidade no continente latino-americano. A primeira medida rumo a uma integração efetiva ocorreu com o pacto do ABC, firmado em 1905. Já em 1909, o tratado foi usado quando os Estados Unidos impuseram ao Chile o pagamento de uma multa absurda de 1 milhão de dólares, que deveria ser paga em 10 dias. Brasil e Argentina saíram em defesa do país vizinho, se posicionaram contra os Estados Unidos e venceram a contenda. Isso ocorria no tempo do pan-americanismo, sob hegemonia dos Estados Unidos.
Um século depois, o continente trabalha propostas de união que reforcem a independência dos países latino-americanos e caribenhos com relação, principalmente, ao império do norte. Esse é o propósito principal do Sucre: diminuir a dependência dos países da Alba — Bolívia, Equador, Nicarágua, São Vicente e Granadinas e Venezuela — com relação ao dólar e qualquer outra moeda estrangeira.
A iniciativa, além de fortalecer as economias locais frente à crise econômica que assola a Europa e os Estados Unidos, é um forte mecanismo de integração, na medida em que incentiva o comércio e o desenvolvimento das economias locais, fazendo o dinheiro circular na região. O Brasil tem uma iniciativa semelhante, criada no âmbito do Mercosul, que é o Sistema de Moedas Locais (SML).
Ao economizar dólares nesse tipo de transação, os países integrantes desses sistemas podem utilizar essas divisas para combater a pobreza, a exclusão social e investir em infraestrutura e educação. Além disso, esse e outros projetos de integração, ao criar alternativas ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e ao Banco Mundial, reforçam a independência e a autonomia regional frente às políticas neoliberais impostas pelos países desenvolvidos.
Esses propósitos são encontrados nos discursos dos mandatários idealizadores do projeto. De acordo com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, a moeda virtual “libertará os países da Alba da ditadura do dólar imposta pelo capitalismo”. Já o presidente do Banco Central do Equador, Diego Borja, observou que se trata da “construção de um conjunto de instrumentos que permitam defender nossos povos e nossas economias de uma crise que não provocamos, mas que somos os mais atingidos”.
O Sucre não é, no entanto, a primeira iniciativa neste sentido em nosso continente. Em meados dos anos 1960, os países membros da Aladi (Associação Latino-Americana para a Integração) criaram um mecanismo para possibilitar a realização do comércio intra-regional com a utilização de menos dólares. Assim, foi criado, em 1966, o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR). Os bancos centrais de 12 países (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela) participaram da iniciativa. Durante o final da década de 1980, entre 80 e 90% das transações inter-regionais foram realizadas por meio desse convênio. Hoje, o sistema está totalmente subutilizado.
Para entender melhor como funciona e qual é o objetivo do Sucre, o Vermelho entrevistou, por telefone, o professor e economista Luciano Severo. Acompanhe a seguir os principais tópicos abordados nesta conversa:
O Sucre é uma moeda?
O Sucre, na verdade, é um instrumento para desafogar e criar formas de facilitar o comércio entre os países que fazem parte do mecanismo. É também uma forma de enfrentar um problema crônico que os nossos países têm que é não emitir moeda conversível [como são consideradas as moedas emitidas por países ‘estáveis’]. Com o Sucre diminuímos esse problema que em economia chama-se ‘restrição externa’. Tem este nome porque você precisa vender cada vez mais para conseguir dólar e como vendemos produtos que têm preços muito voláteis, já que são commodities, então esses produtos têm uma vulnerabilidade muito grande no mercado internacional. O sucre é uma forma de reduzir a pressão externa através do estímulo do comércio compensado.
Outras iniciativas regionais
No caso do Brasil, está sendo criado, no âmbito do Mercosul, junto com a Argentina, Uruguai e Paraguai, um mecanismo similar ao Sucre, que se chama SML (Sistema de Moedas Locais). Hoje, o Brasil já faz transações com a Argentina neste sistema. O Brasil paga em reais e os argentinos, em peso. Vou dar um exemplo: eu sou argentino e você brasileira. Eu compro um produto e o Banco do Brasil te paga em reais. Eu, que sou argentino, pago em peso. O Banco Central da Argentina transforma em dólar e manda em dólares para o Banco Central do Brasil. Um Banco Central passa dólares para o outro, mas as pessoas recebem na moeda local. Já com o SML, o Banco Central da Argentina só passa para o Brasil a diferença que não foi compensada. Se em um mês compramos 1 milhão de dólares para cada lado, então um Banco Central não passa nada para o outro. É uma forma de compensação.
Equilíbrio comercial
Funciona assim: se você compra mil e o outro país compra mil, se ficou empatado, não tem transferência de dólares, então a ideia é, e isso está muito claro, quanto maior for o equilíbrio do comércio, maior é a efetividade do Sucre. Quanto maior for o equilíbrio, mais você está utilizando o sistema. Se for totalmente equilibrado não precisará transferir nada. Será 100% troca. E esse é um problemão que a gente tem porque o comércio na América do Sul é totalmente desequilibrado. No caso do Sucre, a Venezuela compra muito menos do que vende para os países da Alba.
Integração comercial X produtiva
Enquanto houver assimetria, não dá para usar [esses mecanismos]. Ela [a assimetria] é um entrave para o processo de integração. O Brasil compra muito petróleo, mas compra da Nigéria, não compra da Venezuela. Então existem formas, através da razoabilidade, da lógica do mercado, de conseguir fazer uma matriz onde se priorize a integração. E a integração comercial está depois, o foco deve ser a integração produtiva, que é você conseguir integrar produtivamente a região, o que é um desafio bárbaro. O Brasil é bem maior que a Venezuela e bem maior que os demais países do Sucre também.
A Venezuela aumentou muito as compras de Cuba, Bolívia, Nicarágua e Equador. E isso faz com que ela esteja utilizando mais o Sucre. Tem que haver um esforço desses países para identificar coisas que eles podem comprar entre eles e deixar de comprar dos outros que não fazem parte do sistema. Por exemplo, o Brasil compra fertilizantes da Ucrânia, quando poderia comprar da Venezuela. Então esse é um esforço de inteligência comercial que precisa ser feito, sobretudo das instâncias que são criadas para pensar isso. Porque se deixar, o mercado vai comprar da Ucrânia porque foi feito um acordo... Mas tem que haver uma racionalidade para perceber que temos que estimular a relação com a Venezuela.
A chave do negócio é a grande diferença que existe no comércio da região. Um começa a ter interesse de que o outro se desenvolva para usar menos a moeda internacional que não somos emissores.
Esse é o espírito da coisa: um precisa do outro, de alguma forma, não só pelo histórico de integração, mas pelo bolso também, porque se eles conseguirem construir uma matriz, existe uma possibilidade grande de diminuir o uso de dólares no comércio internacional deles. Assim, o que quer dizer a informação de que aumentou o uso do Sucre? [Estima-se que 2011 o montante negociado, em Sucres, tenha sido de 300 milhões] Isso quer dizer que tudo isso foi feito sem usar o dólar. Do ponto de vista bem prático, está sobrando dólares para usar em gastos sociais, investimento em educação, para construir indústria, ou para fazer obras de infraestrutura de integração...
Reação dos Estados Unidos
Nos anos 1960, a América Latina, muito influenciada por Celso Furtado, criou, no âmbito da Aladi, o chamado Convênio de Créditos Recíprocos (CCR). Dez Bancos Centrais da América do Sul mais a República Dominicana e o México aceitaram o CCR, que existe até hoje. Nos anos 1980, ocorre a crise da dívida externa e, durante esse período, os governos recorrem a esse sistema de crédito recíproco para fazer intercâmbio entre si. Esse convênio chegou a realizar 80% do comércio da região.
Nesta época, os países estavam em crise. Vários deles decretaram moratória porque não tinham como pagar a dívida. Os americanos, por meio do Acordo de Basileia [firmado em 1988 para melhorar a qualidade da supervisão bancária e fortalecer a ‘segurança’ do sistema bancário internacional], definiram que os Bancos Centrais não podiam utilizar esse convênio porque isso aumentava o grau de exposição desses países. Esse acordo foi uma forma de constranger o CCR e, através desse Banco Central dos Bancos Centrais, coagir os governos da América Latina a deixar de fazer isso.
Primeiro foi o Fernando Henrique [ex-presidente do Brasil entre 1995 e 2002] e depois o Carlos Menen [ex-presidente da Argentina entre 1989 e 1999]. Eles começaram a cumprir os acordos de Basileia e desestimularam o uso do CCR, que de cerca de 80 caiu para 2% das transações do comércio local. Essa foi uma das formas que os Estados Unidos conseguiram bancar que esse comércio era prejudicial. Eles entraram de sola para impedir que os países realizassem essas iniciativas. Já com relação ao Sucre, eu desconheço, não sei o que os Estados Unidos estão fazendo, como estão se mexendo.
O Banco do Sul rompe com Betton Woods?
Na minha interpretação, quem rompeu com o [Sistema de] Bretton Woods [acordo que definiu as regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo ainda durante a 2ª Guerra Mundial, em 1944] e já faz 40 anos, foi o governo dos Estados Unidos. Bretton Woods criou o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Banco Mundial, estabeleceu o dólar como moeda mundial e que todas as moedas deveriam ser conversíveis em dólar para fazer transações. Para emitir em dólar, era preciso ter um valor determinado dólar-ouro.
Em 1971, os americanos, de maneira unilateral, decidiram romper com o acordo de 1944 que definia essa necessidade de ouro para emitir o dólar. O lastro em ouro foi arrebentado. Eles acabaram com Bretton Woods, isso em 1971. O que ficou dessa estrutura é o ‘dólar-dólar’, ‘dólar flexível’ ou ‘dólar bomba’. A única coisa que tem de vínculo, lastro, é o poder militar dos americanos. A única coisa que sobrou daquela estrutura é o FMI, que é um emprestador de última instância.
FMI do Sul e Banco Mundial do Sul
Quando um país precisa de dinheiro e não tem dinheiro, ele recorre ao FMI. Mas, para liberar os empréstimos, o FMI exige uma série de políticas: privatização, abertura comercial e desregulamentação do mercado de trabalho, para citar algumas. O FMI do Sul seria um organismo para emprestar dinheiro sem as exigências do FMI americano. A questão é que hoje é possível minimizar, diminuir a influência do FMI com a criação de um ‘FMI do Sul’, que é uma proposta da Venezuela e do Equador, criada no âmbito da Unasul, que é a Nova Arquitetura Financeira Regional. Eles estão trabalhando nessa arquitetura para potencializar o Flar (Fundo Latino-Americano de Reservas), composto por Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, Peru, Uruguai e Venezuela, como um FMI do Sul, mas isso quem pode decidir é o Conselho de Ministros de Economia da Unasul.
Quanto ao Banco Mundial, temos três alternativas na região: uma é a CAF (Corporação Andina de Fomento), formada por 18 países da América Latina e do Caribe. Ela foi criada no âmbito da CAN (Comunidade Andina de Nações) e tem um viés mais liberal, com a presença de capital chinês, americano, japonês e financia muitos projetos de desenvolvimento na América Latina. Temos também o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento), que tem desempenhado um papel importante e até maior que o Banco Mundial no financiamento de projetos de desenvolvimento e infraestrutura na região.
Hoje o BNDES tem mais de 15 bilhões de dólares em financiamentos na América Latina. A CAF tem um montante semelhante, mas um pouco menor. Agora, a alternativa que vejo para a região é a criação do Banco do Sul, já que esse seria um projeto comum sul-americano. Faltam os avais dos Parlamentos de Brasil e Uruguai. Os demais países que compõem o Banco do Sul já aprovaram sua criação nos seus parlamentos. Então essa tem que ser nossa prioridade: aprovar a criação do Banco do Sul, que teria já em sua fundação, 20 bilhões de dólares para aplicar na região.
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domingo, 22 de janeiro de 2012
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