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terça-feira, 15 de julho de 2014

Israel: prossegue o genocídio, por etapas, no gueto de Gaza - Portal Vermelho



Israel: prossegue o genocídio, por etapas, no gueto de Gaza - Portal Vermelho


Em artigo de
setembro de 2006 para The Electronic Intifada, defini a política
israelense para a Faixa de Gaza como genocídio por etapas.



Por Ilan Pappé, no The Electronic Intifada






Casa semidestruída em Gaza


O assalto contra Gaza que Israel comete hoje indica,
desgraçadamente, que essa política não mudou. A expressão ajuda a ver
que a ação bárbara dos israelenses – em 2006, como hoje – faz-se por
passos, em contexto histórico mais amplo.



É preciso insistir sempre sobre esse contexto, porque a máquina de
propaganda israelense só faz repetir e repetir uma mesma narrativa, como
se as políticas israelenses acontecessem fora de qualquer contexto; e
converte o pretexto que encontrem para cada nova onda de destruição, em
alguma espécie de principal ‘justificativa’ para ondas de assassinato
indiscriminado, nos campos de morte de palestinos pelos quais os
israelenses passeiam.



O contexto



A estratégia sionista para apresentar suas políticas brutais como
resposta ad hoc a uma ou outra ação dos palestinos é tão velha quanto a
presença maléfica de israelenses na Palestina. Sempre foi usada,
repetidamente, como justificativa para impor a visão sionista de uma
Palestina futura, onde haveria bem poucos, se algum, palestinos nativos.



Os meios para alcançar esse objetivo mudaram ao longo dos anos, mas a
fórmula permaneceu a mesma: seja qual for a visão sionista de um Estado
Judeu, só se poderá materializar sem número significativo de palestinos
sobre a face da Terra. E hoje, a visão sionista é uma Israel que cubra
quase toda a Palestina histórica, onde ainda vivem milhões de
palestinos.



A onda genocida em curso hoje tem, como todas as anteriores sempre
tiveram, algum contexto imediato. Dessa vez, teve a ver com o projeto de
fazer gorar a decisão dos palestinos de constituir um governo de
unidade, contra o qual nem os EUA teriam objeções.



O colapso da desesperada iniciativa “de paz” do secretário de Estado dos
EUA John Kerry legitimou o apelo palestino a organizações
internacionais para que interviessem e pusessem fim à ocupação. Ao mesmo
tempo, os palestinos ganharam amplo reconhecimento internacional e
apoio para a cautelosa tentativa, pelo governo de unidade, de construir
política coordenada entre os vários grupos políticos e respectivas
agendas.



Desde junho de 1967, Israel procura um meio para manter os territórios
que ocupou naquele ano, sem incorporar a população palestina indígena e
dar aos palestinos os mesmos direitos de cidadania que têm os
israelenses. E todo o tempo os israelenses mantêm a farsa de algum
“processo de paz”, para encobrir o movimento pelo qual vão ganhando
tempo para implantar suas políticas unilaterais de colonização.



Ao longo das décadas, Israel passou a diferenciar entre áreas que queria
controlar completa e diretamente, e áreas que controlaria
indiretamente, com o objetivo de, no longo prazo, reduzir ao mínimo a
população de palestinos, usando, dentre outros meios, campanhas de
limpeza étnica e estrangulamento econômico e geográfico.



A localização geopolítica da Cisjordânia cria a impressão em Israel,
pelo menos, de que é possível conseguir tal objetivo sem provocar uma
terceira Intifada nem excessiva condenação internacional.



A Faixa de Gaza, dada sua especialíssima localização geográfica, não se
presta muito facilmente a tal estratégica. Sempre desde 1994, ainda mais
depois que Ariel Sharon chegou ao poder como primeiro-ministro nos
primeiros anos 2000s, a estratégia é cercar Gaza num gueto, e pôr-se à
espera de que todo o povo que ali vive – hoje, 1,8 milhão de pessoas –
morra e caia no esquecimento eterno.



Mas o Gueto mostrou-se rebelde, sem nenhuma disposição para se deixar
ficar em condições subumanas, de estrangulamento, isolamento, fome,
colapso econômico. Então, para que Israel consiga enviá-los para o
esquecimento eterno, voltou a ser indispensável retomar as políticas de
genocídio.



O pretexto



Dia 15/5/2014, forças israelenses assassinaram dois jovens palestinos na
cidade de Beitunia, na Cisjordânia. Foram assassinados a sangue frio,
por matador profissional, como se viu em vídeo. Os nomes deles – Nadim
Nuwara e Muhammad Abu al-Thahir – somaram-se à longa lista de
assassinatos “oficiais” semelhantes, em meses e anos recentes.



A morte de três adolescentes israelenses, dois dos quais menores de
idade, sequestrados em junho na Cisjordânia ocupada, foi talvez revanche
pela matança de crianças palestinas. Mas, com todas as depredações da
ocupação opressiva, serviu como pretexto – primeiro e sobretudo – para
quebrar a delicada unidade na Cisjordânia; mas, também, para implementar
o velho sonho israelense de varrer de Gaza o Hamás, para que o gueto
fosse, outra vez, calado.



Desde 1994, mesmo antes de o Hamás chegar ao poder pelas urnas na Faixa
de Gaza, a conformação geopolítica especialíssima da Faixa já deixava
claro que qualquer ação de castigo coletivo – como essa ao qual o mundo
assiste hoje – seria sempre e fatalmente operação de destruição e
matança massivas. Em outras palavras: seria ação de genocídio
continuado.



Esse reconhecimento jamais inibiu os generais israelenses, que dão
ordens para bombardear (por terra, mar e ar) populações de civis.
Reduzir o número de palestinos vivos sobre a Palestina histórica ainda é
o ideal sionista. Em Gaza, a implementação desse ideal assume sua forma
mais desumana.



O timing especial dessa onda é determinado, como em outras ondas
passadas, por considerações de oportunidade. A agitação social que se
viu em 2011 em Israel ainda fermenta; já há algum tempo ouvem-se
clamores, na sociedade de Israel, para que se façam cortes nos gastos
militares e desloque-se o dinheiro consumido no super inflado orçamento
da “defesa”, para serviços sociais. O exército declarou que a ideia
equivaleria a suicídio.



E nada há, como uma operação militar, para calar qualquer voz que exija que o governo reduza despesas militares.



Outra vez, veem-se também agora vários traços sempre presentes nesse
genocídio cumulativo. A maioria dos judeus israelenses apoiam o massacre
de civis na Faixa de Gaza, sem que se ouça qualquer voz significativa
de dissenso. Em Telavive, os poucos que se atreveram a manifestar-se
contra a matança de civis na Palestina foram espancados por gangues
armadas com porretes e correntes, enquanto a Polícia manteve-se à
distância, assistindo.



A universidade, como sempre, também se incorpora à máquina de matar. Uma
prestigiosa universidade privada, o Centro Interdisciplinar Herzliya
montou “um quarteirão civil” no qual os alunos, voluntariamente,
trabalham na campanha internacional a favor de Israel.



Campanha de Solidariedade à Palestina



A imprensa-empresa, sempre leal aos sionistas, já recrutada, esconde
qualquer imagem real da catástrofe humana que Israel gera e amplia na
Palestina Ocupada, e só faz ‘informar’ ao seu público cativo dentro de
Israel que, dessa vez, “a opinião pública mundial nos compreende e nos
apoia”.



É “informação” correta, só na medida em que as elites políticas
ocidentais continuam a garantir ao “estado judeu” a velha imunidade. Mas
a imprensa-empresa sempre fracassa no que tenha a ver a garantir a
Israel o nível de legitimidade com que sonha, para encobrir
completamente suas políticas criminosas.



As exceções infalíveis são a imprensa francesa, sobretudo o canal France
24, e a BBC, que jamais se cansam de papaguear desavergonhadamente a
propaganda israelense.



Nem chega a surpreender, porque os grupos de lobby pró-Israel continuam a
trabalhar incansavelmente para promover a causa sionista na França, no
resto da Europa e, claro, também nos EUA.



O caminho adiante



Seja queimar vivo um jovem palestino de Jerusalém, ou assassinar a tiros
dois outros por desfastio em Beitunia, ou matar famílias inteiras em
Gaza, todos esses atos só são possíveis (e repetidamente possíveis!) se a
vítima tiver sido previamente desumanizada.



Concedo que, por todo o Oriente Médio, veem-se hoje casos horrendos em
que a desumanização das vítimas gera desgraças como as que Israel
promove em Gaza. Mas há uma diferença crucial entre aqueles casos e a
brutalidade israelense: os demais assassinatos bárbaros em todo o
Oriente são condenados, por bárbaros e desumanos, em todo o mundo. Mas
os assassinatos bárbaros e desumanos cometidos por israelenses ainda são
elogiados, publicamente autorizados e aprovados até pelo presidente dos
EUA, por líderes da União Europeia e por outros amigos de Israel em
todo o mundo.



A única chance de sucesso, na luta contra o sionismo na Palestina advirá
de compromisso com uma agenda de direitos civis e humanos que não
invente diferenças entre ‘categorias’ de violações e de violadores; que
não inverta os papeis, entre vítimas e criminosos.



Todos os que cometem atrocidades no mundo árabe contra minorias
oprimidas e comunidades desamparadas – assim como os israelenses que
hoje assassinam palestinos – têm de ser julgados pelos mesmos padrões
morais e éticos. Todos são criminosos de guerra. A diferença é que, no
caso da Palestina, os criminosos de guerra estão em ação, sem parar, há
mais tempo que qualquer outro criminoso, em qualquer outra guerra.



Absolutamente não importa a identidade religiosa do povo que mata em
nome da própria religião que diz respeitar. Chamem-se eles mesmos
jihadistas, judeusistas ou sionistas, todos têm de ser julgados pelos
mesmos padrões morais.



Um mundo que consiga parar de servir-se de duplos padrões nos negócios
com Israel será mundo muito mais efetivo na resposta que dará a crimes
de guerra em qualquer parte do mundo.



Pôr fim ao genocídio por etapas em Gaza; restituir direitos humanos e
civis básicos aos palestinos, vivam onde viverem – inclusive
restituir-lhes o direito de retorno – é a única via possível para abrir
novas vias para uma intervenção internacional produtiva no Oriente Médio
como um todo.



*Historiador judeu israelense, professor de História na Universidade
de Exeter, no Reino Unido. Foi docente em Ciências Políticas em sua
cidade natal, na Universidade de Haifa (1984-2007). Pappé faz uma
análise profunda sobre os acontecimentos de 1948 (criação do Estado de
Israel) e seus antecedentes. Em particular, ele defende em seu livro
mais importante, Ethnic Cleansing in Palestine [A limpeza étnica na
Palestina], que houve uma limpeza étnica, ou seja, a expulsão deliberada
da população civil árabe da Palestina - operada pela Haganah, pelo
Irgun e outras milícias sionistas, que formariam a base do Tzahal -
segundo um plano elaborado bem antes de 1948. Pappé considera a criação
de Israel como a principal razão para a instabilidade e a
impossibilidade de paz no Oriente Médio. Segundo ele, o sionismo tem
sido historicamente mais perigoso do que o islamismo extremista. Ao
longo dos anos 2000, Ilan Pappé notabilizou-se por várias polêmicas,
notadamente a controvérsia do massacre de Tantura, e por seu apelo ao
boicote internacional às universidades israelenses, o que o levou a
entrar em conflito com seus colegas da Universidade de Haifa,
particularmente com Yoav Gelber. Ilan Pappé e Benny Morris, um outro
historiador, divergiram frontalmente quanto à análise dos eventos de
1948 e quanto à atribuição de responsabilidades no conflito
israelo-palestino .




Fonte: Redecastorphoto. Traduzido pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu

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