A entrevista de Chico Buarque à Rolling Stone - Portal Vermelho
Na capa especial de 5 anos da Rolling Stone Brasil, um dos maiores compositor vivo do país fala sobre música, política e família, satisfazendo a curiosidade dos milhões de fãs
Chico Buarque falou ao editor Paulo Terron, da Rolling Stone, sobre como se divide entre a música e a literatura, política e sobre como lida com a fama e com a era dos paparazzi. “Acho chata essa fiscalização moralista da vida dos outros. Vou deixar de ir à praia, mas outras coisas eu não vou deixar. O meu vinho vou tomar, meu cigarro vou fumar”, diz o ídolo.
Ele também conta que é mais difícil viabilizar turnês pelo fato de não se utilizar da Lei Rouanet – e também afirma se manter distante de certos assuntos por ter uma irmã, Ana de Hollanda, como ministra. “Até fico fora do assunto de direito autoral para não parecer que eu tenho alguma coisa a ver com isso. Para mim é um incômodo ter uma irmã no Ministério da Cultura.”
Veja trecho da entrevista a seguir:
Rolling Stone: Você é conhecido por ser metódico no trabalho. E na vida cotidiana, também? Você se permite decisões espontâneas ou mantém o controle?
Chico Buarque: Eu não sabia que tinha fama de metódico. Na verdade, minha vida e meu trabalho se confundem, nem eu mesmo sei direito quando estou trabalhando ou não. Às vezes digo que estou muito atarefado, porque as pessoas pensam que um artista está sempre disponível para ir à festa. Como o artista em geral não tem horário, não dá expediente, costumam pensar que é vagabundo. Mas, assim como a criança se concentra num brinquedo, tem dias em que preciso me concentrar no trabalho, nem que seja compor um palíndromo ou inventar times de futebol.
Rolling Stone: A expectativa a respeito de suas músicas é sempre alta. Essa pressão chega até você?
Chico Buarque: Eu não posso me deixar levar por isso. E não adianta você querer matar um leão por dia, porque as pessoas sempre vão dizer que o leão antigo era melhor e mais forte do que o de hoje [risos]. Mas não é isso que vai me estimular. Existe uma pressão interna, sim, uma necessidade e um prazer grande em fazer uma música. Essa possibilidade de alternância é saudável, porque ninguém está esperando um disco novo meu daqui a um ano: nem eu, nem ninguém. Tem esse tempo todo agora, lento e de maturação. Escrever um livro provavelmente – e isso não precisa ser tão mecânico – vai tomar um longo tempo. Então, não acho que a gente deva se levar por esse tipo de pressão. Não tenho contrato com gravadora, não tenho obrigação nenhuma e já é suficiente a pressão que a gente exerce sobre si próprio.
Rolling Stone: A Ana de Hollanda foi criticada por ter uma postura em relação aos direitos autorais que foi considerada um retrocesso em relação aos ministros anteriores. Você tem opinião sobre isso?
Chico Buarque: Não tenho e me mantive alheio a esse assunto. Exatamente porque desde o início tentou-se passar a impressão de que eu teria alguma ingerência na nomeação da minha irmã como ministra. Para mim, o mais confortável era que o Juca Ferreira continuasse sendo ministro. Até mesmo para que as pessoas xingassem o Juca Ferreira e não a minha irmã nos jornais [risos]. Quando entra esse assunto de direitos autorais, volta e meia sou procurado, recebo e-mails e tal. Digo: “Prefiro não me interessar por isso”. São tantos assuntos pelos quais a gente tem de se interessar, tantos jornais que a gente tem de ler, tantas notícias que a gente tem que ficar por dentro, que eu prefiro deixar esse de lado. E há colegas meus que estão brigando, discutindo isso com muito mais conhecimento de causa do que eu. Prefiro não opinar. Nem sei direito o que é o Creative Commons, o que isso deixa de ser. Eu sei que o selo foi tirado do [site do] Ministério. O que isso representa, eu não sei.
Rolling Stone: O amor está presente no novo disco. Mas teve uma frase, de “Querido Diário”, que foi muito comentada: “amar uma mulher sem orifício”. Teve muito debate, a crítica a usou contra você.
Chico Buarque: No “Querido Diário” está lá: um dia, segundo dia, terceiro dia, quarto dia. Evidentemente que há algo de nonsense no sujeito que resolve, num belo dia, ter uma religião e, andando na rua, imagina que vai sacrificar uma ovelha. Já entrou nesse campo [risos]. Aí ele resolve ter uma adoração por uma estátua, ou seja, amar uma mulher sem orifício. Eu li em algum lugar que “amar uma mulher sem orifício” seria amar uma mulher casta, uma mulher difícil. Aí, se não é burrice, já é vontade de encher um pouquinho o saco do compositor.
Fonte: Blog do Nassif, publicada originalmente na Rolling Stone, por Chrisppa Silva
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