Leia o Vermelho
Cidade recebeu reunião extraordinária do Comitê Central na data do centenário do partido mais antigo do Brasil
por André Cintra
Publicado 25/03/2022 18:39 | Editado 26/03/2022 12:41
Comitê Central do PCdoB fez uma reunião extraordinária para comemorar seu centenário l Foto: Rebeca Belchior
Cem anos depois, o PCdoB voltou, literalmente, às origens. A cidade de Niterói (RJ) – que abrigou, em 25 de março de 1922, o Congresso de Fundação do Partido Comunista do Brasil – recebeu agora a reunião extraordinária do Comitê Central. O encontro precedeu o Festival Vermelho – Florescer a Esperança e aconteceu na tarde desta sexta-feira (25), exatamente a data do centenário do partido mais antigo do Brasil.
“Há exatos cem anos, aqui onde estamos, começou a nossa jornada. Nesta bela cidade de Niterói, a ousadia da classe operária fundou o Partido Comunista do Brasil”, enfatizou a presidenta nacional do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos. Desta vez, além das celebrações, os dirigentes aprovaram, por aclamação, o apoio do PCdoB à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República.
“O Partido está empenhado, com os movimentos de frente ampla, na tarefa de libertar o país do governo Bolsonaro, de restaurar a democracia e promover uma reconstrução nacional. Uma reconstrução que abra perspectiva a um novo ciclo de prosperidade, desenvolvimento soberano em harmonia com a proteção do meio ambiente e de progresso social”, afirmou Luciana. “Para liderar este projeto, o PCdoB apoiará a construção da candidatura de Lula, credenciada pelo respaldo de uma frente ampla, para conquistar a maioria dos brasileiros e brasileiras, e assim disputar, vencer e governar.”
Ao abrir a reunião, Walter Sorrentino, vice-presidente nacional do PCdoB, saudou a militância partidária. Em 1922, nove delegados representaram cerca de 50 membros de grupos comunistas de diversas regiões do País. Agora, segundo Walter, o Partido chega a seu primeiro século de vida com 450 mil filiados.
História arrebatadora
Contar um século de lutas em pouco mais de 30 minutos foi o desafio de Luciana Santos. “Rendemos nossa homenagem às gerações de bravos e bravas que trouxeram o Partido Comunista do Brasil ao seu centenário. Eles e elas continuam vivos no coração das novas gerações. São, para nosso povo, motivo de imenso orgulho e inspiram os/as comunistas e lutadores/as progressistas contemporâneos.”
A presidenta do PCdoB lembrou que os primeiros 63 anos do PCdoB foram tempos bicudos, de perseguição aos comunistas e atuação clandestina. “Em mais da metade de nossa trajetória, tivemos de atuar nos subterrâneos da liberdade, como disse nosso camarada e notável romancista Jorge Amado”, agregou. “Mesmo com essa adversidade, a resultante de nossa trajetória é realizadora. Por isso, nossa história é arrebatadora.” Luciana Santos ao se pronunciar na reunião l Foto: Receba Belchior
Diversos capítulos nesta trajetória tiveram a participação decisiva dos comunistas. Nomes como Astrojildo Pereira, Luís Carlos Prestes e João Amazonas lideraram as três primeiras gerações de militantes do PCdoB. Todos eles enfrentaram o arbítrio dos regimes de plantão – da República Velha à ditadura militar, passando pelo Estado Novo.
Mesmo na clandestinidade, os comunistas lutaram causas como “O Petróleo É Nosso”, a paz mundial, a soberania nacional, os direitos dos trabalhadores, a organização sindical, a democracia, entre outras. Depois da Conferência Extraordinária de 1962 – que reorganizou o Partido –, veio a resistência ao regime militar, que inclui a Guerrilha do Araguaia, “uma epopeia pela liberdade”.
Dos governos progressistas ao golpe
De acordo com Luciana, “o Partido pagou um elevado tributo em vidas e sacrifícios, sobretudo no enfrentamento à ditadura – mas nunca, nunca abaixou a bandeira da democracia”, sublinhou Luciana. Assim, foi grande seu envolvimento na redemocratização e na “Constituição Cidadã” de 1988. A conquista da legalidade, em 1985, assentou ainda mais o Partido nos movimentos sociais, nas lutas políticas e nas disputas eleitorais – com destaque para a construção da Frente Brasil Popular, em 1989, e a vitória de Lula nas eleições 2002.
Em meio a isso, ocorre o 10º Congresso do PCdoB, em 2001, em que Amazonas passa a presidência Renato Rabelo. “Renato apontou a forte possibilidade da vitória das forças progressistas em 2002. Porém, com a ressalva de que somente uma ampla frente, apoiada por extenso movimento social, seria capaz de vencer e governar”, lembrou Luciana.
São 14 anos seguidos de governos democráticos e progressistas. “O PCdoB particip de ministérios e agências, de cujo desempenho deixou um rico legado. Ao mesmo tempo, ampliou sua inserção nas lutas populares, reforçando sua atuação no sindicalismo e demais movimentos sociais.”
Luciana Santos assume PCdoB em 2015. No ano seguinte, um golpe de Estado interrompe o ciclo democrático, recolocando forças conservadores e neoliberais no poder – primeiro sob a gestão ilegítima de Michel Temer, depois sob o governo de destruição de Jair Bolsonaro. De volta à resistência, o PCdoB se fortalece com a incorporação do PPL, em 2019.
“O Partido desencadeou um movimento para sua revitalização, que está em curso sobretudo na renovação da linha de massas, no fortalecimento de sua comunicação e da construção de sua estrutura orgânica. Esta revitalização demanda também renovar e abrasileirar crescentemente sua imagem e fortalecer sua identidade, ao mesmo tempo em que aperfeiçoa seu sistema de direção”, analisa Luciana.
Parafraseando o poeta amazonense Thiago de Mello, que faleceu neste ano, Luciana questionou: “O que são cem anos para quem pretende edificar um milênio? O que é século para quem tem como essência conquistar e construir o futuro radioso e socialista que virá?”. Foto: Bruno Bou Haya
Corrente revolucionária
Por videoconferência e, depois, por gravação, Renato Rabelo saudou os dirigentes em Niterói. “Por uma medida preventiva, não pude estar presente a esta reunião histórica”, afirmou Renato, que fez uma intervenção baseada no documento “PCdoB: um século de lutas em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo”, aprovado neste pela Comissão Política Nacional do Partido.
“Não se pode compreender a história do Partido Comunista do Brasil sem entender a história do Brasil. Mas também não se pode entender a história brasileira sem levar em conta a ação dos comunistas”, disse Renato. Em sua exposição, ele destacou a Conferência Extraordinária de 1962 – um “grande evento político” em que, segundo o dirigente, o partido se reafirmou.
Hoje presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato lembrou duas conquistas democráticas propostas pelo PCdoB que contaram com “amplos apoios”: o Colégio Eleitoral, de 1985, e a federação partidária, aprovada no Congresso Nacional em 2021. Recordou também como a incorporação de outras forças marxistas ajudaram a fortalecer o Partido Comunista em momentos adversos: foi assim na união com a AP (Ação Popular Marxista-Leninista), em 1972, e com o PPL, há três anos.
A seu ver, o PCdoB foi fundamental para “a inserção dos trabalhadores e do povo na vida política do País. Sempre lutamos pela paz, a solidariedade entre os povos, contra a guerra e a espoliação capitalista. Somos o partido que faz a defesa categórica dos interesses da Nação e dos direitos do povo.”
Outro ponto destacado por Renato foi o “trabalho intelectual de estudos, pesquisas e interpretações sobre temas das lutas transformadoras do País”. Para Renato, “o PCdoB forjou uma corrente revolucionária preservando a identidade comunista”. Diante da debacle da União Soviética e do socialismo, “teve a maturidade de rejuvenescer e renovar a luta pelo socialismo”. Em 2009, aprovou o Programa Socialista, que aponta a aplicação de um novo projeto nacional de desenvolvimento como “caminho estratégico para a transição para o socialismo”.
Agora, o PCdoB abraça “o desafio de se abrasileirar”, enquanto está na linha de frente da oposição a Bolsonaro. Uma das contribuições mais recentes dos comunistas é o documento “Diretrizes para uma plataforma emergencial de reconstrução nacional”, debatido sobretudo no processo do 15º Congresso.
Os vices e o líder
Os quatro vice-presidentes nacionais do PCdoB também se pronunciaram. Walter Sorrentino afirmou que o partido fundado em Niterói, há cem anos, “introduziu o provo trabalhador, organizado, no destino de nossa nação, por uma pátria livre, democrática e próspera. Os comunistas são o sal da terra das ideias avançadas – o sal que influenciou cinco gerações de militantes”.
Para Carlos Lopes, é preciso deixar claro que os nove fundadores do Partido Comunistas tinham tanto “os ideais do socialismo” quanto “a elaboração de um projeto de Brasil”. Se de 1922 até hoje ocorreram a industrialização, o ciclo nacional-desenvolvimentismo e um pujante crescimento (entre 1930 e 1980), “os comunistas estiveram em todas essas lutas no sentido de impulsionar o progresso e o desenvolvimento do País”.
Foto: Bruno Bou Haya
Para Manuela d’Ávila, a foto tirada nesta sexta pela direção nacional, em Niterói, tem uma dimensão histórica – será “vista e lembrada” daqui para frente. “O Brasil não precisa ser um sonho não realizado”, declarou. “Esta reunião, em pleno centenário do PCdoB, deve ser de reflexão profunda sobre os anos que virão. Como construir o Partido Comunista de acordo com as exigências históricas de nosso tempo?”, indagou Manu, sugerindo que o PCdoB hasteie a “a bandeira da coragem e do amor – mas também da esperança”.
Jandira Feghali, que também é a coordenadora do Festival Vermelho, declarou-se “emocionada” em receber “tantos camaradas” no estado do Rio de Janeiro. “Não é simples, mas esse festival já deu certo. É uma oportunidade para revermos a nossa própria história”, afirmou, Jandira, a militante do PCdoB e a mulher com o maior número de mandatos no Congresso Nacional. “As mulheres não são algo falso no PCdoB. nós existimos e cumprimos papel no Partido Comunista do Brasil.”
O líder da bancada na Câmara Federal, deputado Renildo Calheiros (PE), também reverenciou os fundadores do Partido. “Estamos celebrando o fato de que, cem anos atrás, um grupo de revolcuonários compreendeu que a luta sindical não era suficiente e fundaram uma organização para a construção do socialismo no Brasil”, disse o parlamentar. “Nosso partido construiu páginas gloriosas na História do Brasil – e continuamos escrevendo a História. Nem sempre vencemos, mas sempre lutamos”.
A reunião homenageou o revolucionário Sérgio Rubens, que faleceu em 2021, quando ocupava o posto de vice-presidente do PCdoB. Um vídeo produzido especialmente para a reunião resumiu a trajetória militante de Sério, que liderou o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) e o PPL. “Devemos a ele muito da incorporação do PPL ao PCdoB”, afirmou Márcio Cabreira, dirigente nacional do Partido. “Bolsonaro havia acabado de ganhar a eleição, e era preciso criar um polo, integrar e fortalecer um único partido, se incorporar ao PCdoB vivamente, de corpo e alma. Sérgio defendeu que o PCdoB fosse o instrumento para derrotar o fascismo que está no poder.
Houve, ainda, cultura e arte na reunião dos cem anos. Jorge Mautner, autor de A Bandeira do Meu Partido, adotado na década passada como um dos hinos oficiais do PCdoB, enviou uma gravação especial à reunião. No vídeo, o cantor e compositor carioca executa, ao violino, o outro hino do Partido, A Internacional. Já a poeta Cida Pedrosa, vereadora no Recife pelo PCdoB, recitou trecho de seu poema Arara Vermelha. A reunião se encerrou ao som de uma das mais conhecidas palavras de ordem da militância: “Um, dois, três / Quatro, cinco mil / E viva o Partido Comunista do Brasil”.
Tags 100 anos do PCdoB, PCdoB
Autor
André Cintra
Jornalista
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