Artigo do ministro Aldo Rebelo
O conde de Afonso Celso foi certeiro ao descrever no século XIX o “inexcedível espírito de hospitalidade” do povo brasileiro, resumindo-o na sua Minas natal, onde os forasteiros sempre encontravam uma cama macia, lençóis limpos e comida de festa: “Ainda os mais humildes recebem com extraordinário agrado quem lhes bata à porta. Matam, para obsequiar o recém-vindo, a galinha única que possuam.”
Prática inaugurada pelos índios que confraternizaram com Cabral em 1500, a dádiva do acolhimento consolidou-se ao longo dos séculos como um traço distintivo do caráter nacional – exposto a mancheias na jornada da Copa de 2014. Se, em menor escala, já a demonstrámos em 1950, agora decuplicamos a recepção fraterna, inclusiva, espontânea, próxima da sedução.
As torcidas misturam-se da foz do Negro à do Guaíba, numa caudaloso encontro de cores nacionais a assinalar a esperança de conquistar a taça ou ao menos participar do aspecto mais universal de uma Copa, que é a festa dos aficionados. Todos sentem-se à vontade num País marcado por problemas e defeitos, que ninguém tentou esconder, mas encantados com as virtudes da civilização que construímos nos trópicos.
A geografia favoreceu uma invasão de sul-americanos que vieram mesmo sem ingressos nem hotel, para ficar perto de suas seleções, e os bolivianos, paraguaios e peruanos nem isso. Acampam onde der, comemoram em toda parte, sempre com incentivo local. Nossos maiores rivais no futebol tiveram que aumentar os ingressos para que os admiradores celebrassem o craque Messi em Belo Horizonte. Treino de Portugal atraiu ao estádio da Ponte Preta em Campinas (SP) dez mil pessoas, quase a média de 12.539 do Campeonato Brasileiro.
As 31 delegações estrangeiras amalgamaram-se com o Brasil em cosmopolitismo festivo. Impregnaram o mundo as cenas dos rituais dos índios pataxós em homenagem aos alemães em Santa Cruz Cabrália (BA), a escola de samba que saudou os bósnios no Guarujá (SP), as rodas de capoeira para os ingleses na Rocinha (RJ), os hondurenhos em Porto Feliz (SP), os gregos em Aracaju (SE). Só não puderam levar os jogadores para casa, mas inúmeros novos amigos receberam o tradicional convite para comer a galinha.
Com afetiva fita verde-amarela que enlaça a todos, o Brasil já ganhou a Copa da Hospitalidade.
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