Pré-candidato a prefeito, Orlando Silva quer usar luta racial para dialogar com periferia e se diferenciar de adversários
Publicado 12/08/2020 02:40 | Editado 12/08/2020 09:41
O deputado federal Orlando Silva será o primeiro candidato na história do PCdoB à Prefeitura de São Paulo. Para ele, emprego é, atualmente, a principal reivindicação da população paulistana. “Vou apresentar um programa emergencial para a geração de vagas nos próximos dois anos”, diz Orlando, em entrevista à Folha de S.Paulo, publicada nesta quarta-feira (12).
Ex-ministro do Esporte (2006-2011) e ex-vereador na capital paulista (2003-2005), o pré-candidato comunista a prefeito diz admitir a adoção de incentivos financeiros para enfrentar o desemprego. “A cidade terá que renegociar os grandes contratos para garantir um espaço fiscal e dar fôlego aos pequenos comerciantes e às pequenas empresas.”
Confira os principais trechos da entrevista.
Folha de S.Paulo: Pretende
fazer uma campanha voltada a questões locais ou mais nacionalizada, com
ênfase na oposição ao presidente Jair Bolsonaro?
Orlando Silva:
São Paulo é uma cidade-estado, o maior colégio eleitoral do País, o que
faz com que o interesse nacional repercuta sobre a vida do município, e
vice-versa. Isso dá dimensão nacional à disputa, mas há que se fazer um
enfrentamento levando em conta a realidade local.
Folha: E o que a realidade local apresenta?
Orlando:
Decidi que meu partido deveria ter candidato no segundo turno da
eleição de 2018, quando vi Mano Brown falar que, se [um partido] deixou
de entender o povão, já era. Se não falar a língua do povo, vai perder
de novo. Ali passei a refletir: Temos que aprender com o povo. A
esquerda precisa ser mais humilde. Perceber que derrotas, quando nós as
sofremos, deixam lições. É preciso se reconectar com o povão.
Folha: Como se reconectar?
Orlando:
Desde 2016 se fala que a sociedade está polarizada, mas a impressão que
tenho é que é mais militante de um lado e do outro, enquanto o povão
mesmo fica olhando o cenário. Daí a necessidade de estruturar um projeto
político popular renovador para a cidade de São Paulo.
Folha: O sr. vai dialogar com os eleitores de Bolsonaro e buscar os votos deles?
Orlando:
As pesquisas mostram que bolsonaristas são 15%, no máximo 20% do
eleitorado. Mas tem gente que ainda observa Bolsonaro com simpatia
porque não vê alternativas e, ao mesmo tempo, não quer voltar ao
passado. A esquerda tem que pisar no barro, ouvir o povo, reelaborar
programa e, com muita humildade, trilhar um caminho novo. Temos que
voltar a fazer trabalho de base, preocupar menos com lacração na
internet e mais com a organização do povo. Comunidades religiosas
pentecostais e neopentecostais, com grande penetração na periferia, têm a
ver com respostas a problemas. Em vez de atacá-las, deveríamos aprender
com elas e resgatar o que foram marcas dos movimentos progressistas,
como mutirões, iniciativas populares de saúde e de creche.
Folha: Essa será a proposta da sua campanha?
Orlando:
Falo em tirar energia e criatividade da periferia porque é de onde eu
vim. Precisamos olhar para ela como o lugar da potência, não da
carência. Nasci num bairro periférico de Salvador, estudei em escola
pública, usei unidade básica de saúde. Quero levar para a campanha a
indignação de quem conhece os problemas do povo de viver, não de ouvir
dizer.
Folha: Como essas pautas podem se converter também em apoio da classe média, da elite?
Orlando:
Em estratos médios e mesmo nos altos, quem tem capacidade crítica se
comove com o drama da realidade na periferia e se mobiliza para apoiar
um projeto que coloque foco em ajudar primeiro quem mais precisa.
Folha: É um discurso próximo do de Jilmar Tatto (PT) e Guilherme Boulos (PSOL), ambos do campo da esquerda.
Orlando:
O Tatto e o Boulos são amigos [meus]. Pode haver identidades porque
compomos o mesmo campo. Mas uma liderança política negra enfrentar o
racismo estrutural é diferente de uma que ouve dizer o que é o racismo.
Folha: Como pretende se diferenciar dos dois?
Orlando:
Vou, com a minha experiência de vida e pessoal, valorizar a minha
condição de negro e debater a representatividade na política. Não serão
os brancos que vão romper com o racismo estrutural.
Folha: Que medidas efetivas um prefeito pode adotar para combater o racismo no âmbito municipal?
Orlando:
Temos que fazer cumprir plenamente as leis que obrigam o ensino nas
escolas da história da África e da cultura afro-brasileira. A prefeitura
também pode liderar movimentos que coloquem mais peso em políticas
públicas, com o cumprimento da política de cotas na administração, e em
mobilização do setor privado, engajando empresas para gerar
oportunidades para a população negra.
Folha: Qual é a maior demanda do paulistano, principalmente pós-pandemia?
Orlando:
Emprego. Vou apresentar um programa emergencial para a geração de vagas
nos próximos dois anos. A cidade terá que renegociar os grandes
contratos para garantir um espaço fiscal e dar fôlego aos pequenos
comerciantes e às pequenas empresas.
Folha: Com isenção de impostos?
Orlando:
A cidade pode suspender a cobrança de determinados tributos durante um
período. E aí vem a pergunta: mas como vamos pagar a conta? Você negocia
uma moratória nos grandes contratos e abre um espaço fiscal para dar
suporte aos micro e pequenos empresários. Um momento excepcional pede
medidas excepcionais.
Folha: Nesses grandes contratos, o sr. inclui os de transporte público, que demandam subsídio da prefeitura?
Orlando:
A meu ver, o subsídio é uma caixa-preta. É necessário auditar. Não dá
para manter no nível de hoje. O tema da mobilidade é um dos que exigem
aliança de São Paulo com outros entes da Federação, para ampliar o
transporte de alta capacidade, com expansão das malhas metroviária e
ferroviária. E inclusive envolver captações internacionais. Deveríamos
abrir diálogo com a China, um país que tem feito muitos investimentos em
infraestrutura.
Folha: Como avalia o governo de Bruno Covas (PSDB), pré-candidato que hoje lidera as pesquisas?
Orlando:
A gestão João Doria/Bruno Covas passará à história como uma gestão nula
para a cidade de São Paulo. Quantas políticas inovadoras foram feitas?
Nenhuma. Que iniciativa estruturante para o futuro foi feita? Nenhuma.A
gestão da Covid-19 foi marcada por vacilações, com repercussão na vida
das pessoas: o rodízio, que jogou grande parte dos trabalhadores no
transporte público, a falta de descentralização dos hospitais de
campanha e os sinais contraditórios no debate sobre a volta às aulas.
Folha: O sr. vai se licenciar para fazer a campanha?
Orlando:
Não. O exercício do meu mandato também é parte da estratégia de
campanha, com medidas prioritárias como o auxílio emergencial, a medida
provisória para manter os empregos e a regulação do combate às fake
news. Durante a campanha, vou falar do que fiz na crise da Covid-19.
Folha: Como será fazer campanha por um partido que tem no nome o comunismo, demonizado por Bolsonaro e a direita?
Orlando:
Olha, pelo Bolsonaro, 80% do Brasil é formado por comunista. A minha
perspectiva sempre foi a de construir uma sociedade justa, com igualdade
de oportunidades e comunhão. Um governo comunista é como o do Maranhão,
que o Flávio Dino faz. Quero governar São Paulo inspirado em Flávio
Dino.
Folha: O sr. também cita a China, outro “bicho-papão”.
Orlando: A China, que é um país onde estive três vezes, é uma experiência comunista, com muito desenvolvimento, e que pode ser um local de muitas parcerias para a nossa gestão.
Folha: Existe chance de retirada da sua candidatura?
Orlando: Nenhuma.
Folha: A inédita ausência do PT em uma campanha do PCdoB na capital enfraquece ou fortalece seu nome?
Orlando:
Apresentar um projeto para a cidade é o nosso desafio. Tenho muitos
amigos no Partido dos Trabalhadores, o Lula foi um extraordinário
presidente, mas nós temos que olhar para a frente.
Folha: O que motivou a cisão?
Orlando:
Nós, do PCdoB, entendemos que é necessário estruturar um projeto
político para a cidade de São Paulo que não será feito à sombra do PT e
que precisa de um líder. Foi-se o tempo em que São Paulo melhor seria
governada por um gerente. Aliás, tem gente que se agarrou a esse
conceito de ser gerente e teve um péssimo resultado, inclusive eleitoral
[referindo-se a João Doria, do PSDB].
Folha: O PCdoB terá baixo tempo de TV e poucos recursos do fundo eleitoral. Como driblar isso?
Orlando:
Vamos fazer o que estiver ao nosso alcance. Vou apostar muito nos
debates na TV, na militância e na força das ideias para atrair o voto
progressista e ocupar um espaço. Quem sabe nós não chegamos ao segundo
turno?
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