Governo Dilma: a ditadura monetária e o caminho popular
Osvaldo Bertolino
A pressão por cortes drásticos no orçamento, que iria comprometer as perspectivas de crescimento e de desenvolvimento do país, é cada vez mais intensa. Essa receita neoliberal, verbalizada de maneira estridente pela mídia, é apresentada como a única fórmula para livrar o país do abismo. No entanto, a história está recheada de quedas espetaculares de economistas que tentaram decretar o que estaria acontecendo com nossas vidas amanhã.
Aqui no Brasil, ainda temos uma porção deles tomando conta das finanças do país — sobretudo no Banco Central (BC). Gente que veio daquela linha do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco — certa vez definido por Paulo Batista Nogueira Jr. como 'Napoleão de hospício' — e do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Gente que é um vistoso sinal de que a política econômica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) ainda respira no governo Dilma. Gente que, ainda segundo Paulo Batista Nogueira Jr., tem sua hierarquia, solene e hierática, no nível mais alto nas principais universidades dos Estados Unidos. 'É a 'ortodoxia teórica', um pouco distante do mundo real, meio misteriosa, repleta de dúvidas, sutilezas e sofisticações', escreveu ele.
O economista diz que essa 'ortodoxia' tem uma variante no Brasil que pode ser melhor definida como 'ortodoxia de galinheiro'. 'Os seus praticantes costumam ser economistas locais, treinados (a palavra certa talvez seja 'adestrados') em universidades americanas, no FMI e em outras instituições financeiras multilaterais sediadas em Washington. São eternos alunos, sempre ansiosos para 'fazer o dever de casa' e receber o endosso dos seus mestres e mentores intelectuais. Mostram-se freqüentemente dispostos a ser mais realistas do que o rei e a aplicar com mais zelo doutrinas, não muito bem digeridas, aprendidas com os 'ortodoxos práticos'', disse ele.
Segundo Paulo Batista Nogueira Jr., o governo Lula esteve infestado de 'ortodoxos de galinheiro'. Eles ocuparam postos-chave na Fazenda e no BC. Trabalhavam com um olho em Washington e outro nos mercados financeiros, Não saiam do roteiro absorvido nos seus anos de adestramento. O resultado, apontou o economista, é uma situação estranha: quem elogia a política econômica é a direita brasileira, a Febraban, o FMI, o governo dos Estados Unidos; e quem a critica é boa parte dos partidos da base aliada, inclusive o próprio PT, a Igreja, empresários industriais, toda a esquerda e a centro-esquerda, trabalhadores, estudantes. 'Enfim, todo o espectro de opinião que se opunha ao que estava sendo feito com o Brasil nos tempos de Collor e FHC', diz ele.
Duas posições extremadas
Essa contradição tem se manifestado abertamente. Em um de seus flamejantes editoriais, o jornal britânico Financial Times disse que tudo o que o Brasil pode fazer é continuar com essa política econômica. 'Isso não é uma caminhada sem riscos, mas as alternativas seriam desastrosas', escreveu o jornal financeiro. O Financial Times salientou que Lula herdou um economia pesadamente endividada, com baixas reservas e taxas de juros elevadíssimas. E, por isso, o governo decidiu 'corretamente' pela disciplina fiscal ao invés de uma moratória.
Óbvio que ruptura não é algo que vem apenas pela vontade, sem levar em conta elementos básicos de política, de história e até de geografia. Mas é fato que os credores do país estabeleceram uma verdadeira ditadura. E isso é voz corrente até no meio empresarial. Logo após a posse de Lula, no dia 3 de junho de 2003, o presidente, acompanhado do ministro Antônio Palocci, do então secretário-geral da Presidência Luiz Dulci e do assessor especial Marco Aurélio Garcia, recebeu um grupo de industriais do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento (Iedi) que foi pedir controle de câmbio e redução da taxa de juros. Do lado do governo, Palocci foi o único a falar. 'Não concordo, mas vou estudar o assunto', disse ele.
Amartya Sem e a ditadura do mercado financeiro
Um dos industriais definiu Palocci assim: 'Ele é mais simpático do que o Malan, mas mais enquadrado.' Sobre os assessores do ministro, o industrial disse: 'São filhotes da equipe econômica de FHC. Ficaram nos olhando com ar de espanto, como quem pensa: 'Olha aí, de volta, os dinossauros'.' Delfim Neto define essa gente como neocolonizados. 'Para eles, o desenvolvimento é a recompensa que desaba sobre a cabeça dos bem-aventurados que praticam as normas que (eles mesmos) supõem ser a boa e dura 'ciência econômica'. É uma espécie de religião. Qualquer mobilização para o desenvolvimento econômico por parte do Estado é perda de tempo. Pior, é pecado! Contraria os princípios pelos quais se vai aos céus: a definitiva aceitação do deus mercado e a obediência estrita aos cânones da 'ciência dura'. Quem 'peca' pode ter algum prazer no curto prazo, mas vai para o inferno no longo prazo', escreveu ele na CartaCapital.
Amartya Sem, um economista heterodoxo com forte instrumental matemático e com várias contribuições críticas à economia neoclássica convencional, argumenta que o crescimento econômico só torna a vida das pessoas melhor se os governos agirem como guardiões das liberdades. Essa formulação pode ser usada para detectar um aspecto do governo extremamente reprovável — a condução da política monetária cada vez mais confinada à ditadura do mercado financeiro e presa no gueto das idéias liberais. Não há debate. Não há arejamento. Não há visão humanista nesta vulgata econômica que perdura. A idéia de liberdade dessa gente é, com boa vontade, a dos piores filmes propagandísticos norte-americanos. Espanta o grau de mistificação usado pelos dirigentes dessa política monetária ao induzir a população a acreditar na solução de seus problemas a partir de indicadores estatísticos politicamente manipulados.
O Brasil talvez precise de uma espécie de mutirão para mostrar à sociedade que o futuro não é, como dizem os neoliberais da mídia e do BC, um cenário já determinado, guardado fora de nosso alcance em uma caixa preta inescrutável. Não é uma fotografia já revelada, imutável. O futuro, pelo contrário, se constrói no presente. Os passos que damos é que vão inventando o caminho, como no provérbio. Esse jeito de entender o futuro torna possível a previsão: ela estaria baseada em análise e projeção lógica e não em mera adivinhação. Lógico que estamos diante de um cenário complexo. Mas, principalmente por isso, precisamos de mais ações políticas de massa para esclarecer o que se passa na área econômica do governo.
Construção de uma sociedade coesa
No Brasil, as eleições de Lula e Dilma representaram a esperança de o país saltar do berço esplêndido para o progresso social. O povo percebeu que enquanto elegermos programas de governo fantasiosos e de faz-de-conta teremos inevitavelmente um país de mentiras. Mas esse espírito popular precisa ser estimulado. Um governo democrático e progressista entregue à própria sorte não resiste de pé à tempestade direitista e não irá longe. Essa contradição exige mais energia e iniciativa das forças democráticas e progressistas.
O prometido projeto democrático e popular de sociedade ainda é algo que está para florescer no Brasil. E, na mesma medida, a construção de uma sociedade coesa, fundada na defesa dos interesses nacionais, disposta a erigir sistemas que sustentem a longo prazo o desenvolvimento econômico e a distribuição da riqueza produzida. Estamos, na melhor das hipóteses, até agora, evoluindo da lassidão do 'deixa como está para ver como fica' para a urgência de que 'o governo tem que fazer, não interessa como'. É pouco. Precisamos, principalmente, fazer as idéias e opiniões circularem mais, por meio de debates e mobilizações dos movimentos sociais. Pode ser este o caminho.
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