Escrito por Marcio Pochmann |
24/01/2011 |
A questão da distribuição da renda e riqueza continua centralizando a arena política. De forma simplificada, para o espectro político da direita, a redução da desigualdade na repartição da renda depende fundamentalmente das forças de mercado, do crescimento da produtividade e das iniciativas individuais, enquanto, para a esquerda, relaciona-se à força das lutais sociais coletivas e à efetividade e eficácia das políticas públicas. Nesse sentido, a análise minuciosa dos mecanismos socioeconômicos que produzem a concentração da renda não deve ser desconsiderada por aqueles que se propõem a tratar de suas medidas e evolução. Tanto é assim, que o excelente jornalista Clóvis Rossi privilegiou em seu texto "Os livros leem Lula" (Ilustríssima de 16/1) o tema da distribuição recente da renda, com enfoque especial na produção teórica de minha lavra. Temática laboral Leitura atenta da publicação "Desenvolvimento, Trabalho e Renda no Brasil: Avanços Recentes no Emprego e na Distribuição dos Rendimentos" (Fundação Perseu Abramo) permite entender que se trata de análise com enfoque na temática laboral, na qual persisto por quase três décadas na condição de estudioso, com 39 livros publicados, 99 capítulos de livros e mais de uma centena de artigos em publicações especializadas (Sistema Lattes). Não me proponho a discutir, portanto, a complexidade da distribuição funcional da renda (relação entre rendimento do trabalho e da propriedade, como juros, lucros, renda da terra e aluguéis), mas tão somente o contexto e a evolução recente do emprego e da distribuição dos rendimentos do trabalho. Dessa forma, considero inadequado relacionar comparativamente alguns parágrafos escritos sobre a situação da distribuição funcional da renda até a primeira metade da década de 2000 (artigo no "Valor Econômico" de julho de 2007) com argumentos de referência à distribuição pessoal da renda (fundamentalmente o rendimento do trabalho) para a segunda metade da década atual encontrados no livro de 2010. Isso porque a realidade da distribuição da renda sofreu uma inflexão na segunda metade da década de 2000. Evidências Os dados recentes a respeito da alteração na distribuição da renda parecem incontestáveis. Basta, por exemplo, conferir no gráfico 2, da pág. 24 do livro "Desenvolvimento, Trabalho e Renda no Brasil", a trajetória da evolução do índice Gini, que mede o grau de desigualdade na distribuição pessoal da renda, especialmente no rendimento do trabalho, e da participação do rendimento do trabalho na renda nacional. Parece evidente que a partir da segunda metade da década de 2000 há uma recuperação na participação do rendimento do trabalho na renda nacional, após um longo período de descenso inegável. No biênio 2005- 2006, por exemplo, o peso do rendimento do trabalho na renda nacional foi de 41,3%, um pouco maior que os 40% de 1999/2000, mas muito menor que os 56,6% de 1958/60. Em síntese, o aumento relativo do rendimento do trabalho no total da renda nacional na segunda metade da década de 2000 terminou se somando à melhora na distribuição pessoal da renda já constatada desde os anos 1990, com queda no índice de Gini de 0,61, em 1989/90, para 0,54, em 2005/06. Mesmo assim, convém destacar que a redução na desigualdade pessoal da renda ocorrida na década atual difere daquela observada nos anos 1990, conforme o gráfico 4 da pág. 51 do mesmo livro permite observar. Base da pirâmide Entre 1995 e 2002, por exemplo, a redução no índice de Gini deveu-se à queda no valor real do rendimento do trabalho dos 20% mais ricos combinada com contida elevação real nos demais estratos sociais. No período subsequente (2003 a 2008), o aumento real se deu em todos os decis da distribuição pessoal, porém concentrado na base da pirâmide social brasileira. Além da inflexão recente na distribuição funcional da renda, cabe ressaltar seus principais fatores explicativos. Mesmo que sejam necessários mais estudos e informações estatísticas atualizadas, não se pode negar a importância de três razões da inflexão distributiva recente. A primeira relaciona-se à redução na taxa real de juros, que respondeu por menor dispêndio público com juros da dívida governamental. Em 2005, por exemplo, o Brasil comprometeu 7,4% do Produto Interno Bruto (PIB) com o pagamento de juros, enquanto em 2002 foram gastos 7,5% do PIB e, em 2009, 5,4% do PIB. Mesmo que os rentistas da dívida do Estado continuem ganhando muito dinheiro com o processo de financeirização da riqueza, nota-se a economia de dois pontos percentuais do PIB em relação a 2005 (R$ 70 bilhões só em 2009). Ainda há o que reduzir, uma vez que, em 1980, o Brasil comprometia 1,8% do PIB com serviços da dívida pública. Recuperação A segunda razão é o forte crescimento do rendimento do trabalho, levemente acima, em geral, do excedente bruto operacional do setor produtivo, em decorrência da maior elasticidade produto-emprego e da elevação real do salário mínimo acima do verificado até 2005. Também o resultado positivo das negociações coletivas realizadas pelos sindicatos e os aumentos reais de salários concedidos pelas empresas em função de certa escassez mais recente de mão de obra qualificada favoreceram a ampliação total do rendimento do trabalho vis-à-vis os da propriedade. Por fim, a terceira razão assenta-se nos avanços gerados pelas políticas tributária e social. Por um lado, houve o alívio de impostos nos segmentos assalariados de menor renda devido ao reajuste da tabela e à ampliação da escala do Imposto de Renda e, ainda, às reduções e isenções tributárias em setores produtores da cesta básica e de bens-salários. Em contrapartida, o aumento dos impostos sobre o capital, como o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e outros, representou leve compensação à brutal concentração dos impostos sobre os pobres no Brasil. Despesas públicas Por outro lado e na sequência da redução dos gastos com juros da dívida pública, constata-se o aumento e reorientação da despesa social. Em 2010, por exemplo, o gasto social chegou a 23,4% do PIB, o que significa 1,5% do PIB a mais do comprometido em 2005. Ademais da elevação considerável do salário mínimo que favoreceu tanto os ocupados de menor rendimento como os inativos da previdência e assistência social, destaca-se o acréscimo dos recursos públicos (1,4% do PIB) nos programas de transferências de renda às famílias pobres nos últimos cinco anos. De tudo isso, sabe-se que o tema da distribuição de renda precisa ser continuamente aprofundado. O acesso às informações da Receita Federal, sobretudo do Imposto de Renda, conforme ocorre em outros países, permitiria conceder maior precisão ao sentido distributivo do período recente. As indicações atuais apontam para a recuperação do terreno que o rendimento do trabalho vinha perdendo desde a ditadura militar e que durante as duas primeiras décadas do regime democrático - por vários e diferentes motivos - não se conseguiu estancar. Ainda há muito que avançar. O Brasil precisa de uma verdadeira reforma tributária que alivie os pobres e tribute o grande capital, a extensa propriedade e as altas finanças, bem como reduza sensivelmente a taxa de juros e aperfeiçoe e amplie as políticas públicas redistributivas. Independentemente disso, parece não haver como negar os novos acontecimentos constatados, sobretudo, com dados de realidade mais atuais a respeito da mudança na distribuição de renda no Brasil a partir de 2005. * Marcio Pochmann é professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas, é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). |
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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
A dinâmica do rendimento do trabalho
A dinâmica do rendimento do trabalho
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