Jornal GGN
A questão Lula e a esquerda sem rumo
por Aldo Fornazieri
Lula é o último baluarte não só do que significaram os 13 anos de governos do PT, mas de todo um processo que atravessa o período da redemocratização do Brasil, passa pela Constituinte e por quase 30 anos de eleições presidenciais diretas, com a queda de dois governos democraticamente eleitos - Collor e Dilma. Esse processo foi de avanços sociais e de consolidação de direitos, embora a democracia brasileira carregue muitas iniquidades, injustiças e desigualdades.
A figura política de Lula, mesmo com os percalços do peso das denúncias e indiciamentos, ainda ostenta a condição de um político paradigmático, carregado de simbolismo, justamente por ter colocado no centro do debate nacional o tema social que, na história do pais, ora foi tratado como um caso de polícia, ora foi esquecido pelos governos que se sucederam ao longo dos tempos. Justamente por isso e apesar de ser retalhado pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, em ações claramente persecutórias, Lula se sustenta como o maior líder político do país na atualidade.
A ação é persecutória porque em nenhum dos três casos em que Lula se tornou réu há evidências empíricas suficientes para tanto. No caso dos triplex e do sítio, o juiz Moro violenta a realidade e os contratos legais e as escrituras públicas, fazendo de ambos abstrações colocadas ao jugo do seu arbítrio interpretativo, da sua vontade de poder absoluto e de sua intenção vingativa. Mesmo Lula não sendo proprietário dessas imóveis Moro o faz, investindo-se de um poder só comparável aos tiranos que suprimem a mediação das relações humanas pela lei e transformam a sua vontade em lei e em realidade.
O poder judicial absoluto que Moro já vinha exercendo, foi validado também pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região quando este sentenciou que a Lava Jato "não precisa seguir regras de casos comuns", confirmando a tese indicada em outros artigos de que se instaurou no Brasil a prática nazista que não considera a lei escrita e a Constituição, mas que valida a "lei do movimento" que é a lei criada a partir de cada fato pela vontade de quem julga. Fatos, a realidade empírica e as provas são transcendidos sempre pela vontade do juiz. A Justiça transcendente não leva em consideração o Estado de Direito e a ordem republicana. Com a Justiça transcendente, os juízes se transformam em justiceiros, em milicianos da Justiça.
Moro foi considerado também "incensurável" pelo TRF-4, tal como os monarcas absolutos eram iniputáveis, invioláveis, sagrados e não passíveis de responsabilização. O arbítrio da Lava Jato se tornou tão escancarado que os delatores que não envolvem Lula nas delações têm, simplesmente, suas delações recusadas, pelo poder persecutório e sem freio que viceja em Curitiba.
No primeiro processo em que Lula virou réu, acusado de obstruir a Justiça a partir de uma delação de Delcídio Amaral, trata-se da palavra de alguém que estava detido contra evidência nenhuma. E aqui há mais uma dimensão do arbítrio do Judiciário: a palavra dos delatores, sempre empenhada sob o constrangimento da prisão e de pressões politicamente orientadas, é tomada como prova suficiente para tornar alguém réu, ser condenado e preso. No terceiro caso em que Lula vira réu, outro arbítrio do poder de exceção judicial: embora se reconheça que as palestras contratadas pela Odebrecht foram efetivamente proferidas, mais uma vez violenta-se os contratos e os fatos para prevalecer a vontade de poder absoluto do Ministério Público e, agora, da Justiça de Brasília, que os transformam por meio de tramas interpretativas em lavagem de dinheiro.
A esquerda sem rumo
Lula será preso? Em que pese os boatos infundados que proliferaram no final de semana, o fato é que não é algo tão simples prender Lula. A vontade absoluta dos juízes parece se deter ante as consequências imprevisíveis, internas e internacionais, que podem advir diante de uma prisão intempestiva de Lula. Se Lula for preso, interesses e vontade para isso não faltam, o mais provável é que só o será após uma condenação em primeira ou, quiçá, em segunda instância.
A defesa técnica e jurídica de Lula, que está sendo conduzida por uma equipe de advogados, precisa ser feita, mas trata-se de algo limitado, por melhor que seja essa equipe, já que não se está diante da normalidade do funcionamento da Justiça, mas da exceção e do arbítrio validados, inclusive, pelos tribunais superiores. Desta forma, a questão Lula precisa ser levada para o terreno político.
Até agora ela está sendo posta no terreno político apenas por manifestações individuais de juristas e intelectuais, pois até nesta questão o PT mostra a sua falta de iniciativa e o seu colapso. O partido se tornou um cartório de declarações: declara-se que o indiciamento e a transformação de Lula em réu "já eram esperados", que todas as ações do parido foram "legais", enfim, um rosário de notas e manifestações de dirigentes que não têm repercussão política nenhuma.
Convém lembrar que quando José Dirceu estava na iminência de ser preso se proclamava no PT o seguinte bordão: "Zé Dirceu é meu amigo: mexeu com ele, mexeu comigo". Pois bem, mexeram com Zé Dirceu e com outros dirigentes do partido e, a rigor, nada aconteceu. Se proclamava também que os "golpistas não passarão", mas passaram. O risco é que aconteça o mesmo com Lula. Para evitar que isto ocorra, ou o PT e os movimentos sociais transformam a questão Lula, desde já, numa questão política e organizativa, visando criar uma linha de defesa do ex-presidente na sociedade civil, nas universidades e nos movimentos sociais ou quando o desfecho ocorrer, os petistas e outros setores de esquerda permanecerão pregados no muro das lamentações, que é onde estão nos últimos tempos.
Não é só na questão Lula que o PT e as esquerdas estão sem rumo e sem direção. Simplesmente não há uma agenda para enfrentar a presente conjuntura. É preciso perceber que o "contra o golpe" deixou de ter operacionalidade política em termos de ação e de mobilização. A questão do golpe só tem função enquanto pressuposto (o fato de que existiu um golpe) e enquanto disputa de narrativa, visando um juízo histórico e interpretativo dos acontecimentos presentes.
As esquerdas e o PT disputaram e estão disputando o embate em torno da PEC 241, com o mero denuncismo, sem contrapor uma agenda, seja para reduzir danos, seja para apresentar uma alternativa reformista ao reformismo retrógrado do governo Temer. Depois de 13 anos de governo, o PT não tem o que dizer sobre a necessidade de um ajuste fiscal. Boicotou a tentativa de ajuste fiscal de Dilma e não tem uma alternativa ao ajuste fiscal de Temer, que ataca direitos e as políticas sociais. Sem uma agenda alternativa de reformas não se é eficaz na luta política. A denúncia precisa ser feita, mas precisa ser alicerçada em dados demonstrativos, algo que as bancadas dos partidos de esquerda pouco se esmeraram no embate com os governistas.
As esquerdas perdem credibilidade se não apresentarem um plano de ajuste fiscal alternativo, pois o crescente endividamento do país está no centro da crise econômica. A questão é: as esquerdas ficarão na defensiva e na denúncia assistindo o governo Temer se viabilizar jogando o peso da crise sobre os ombros dos que têm menos ou serão capazes de constranger o governo, agregando forças em torno de um projeto alternativo? Se as esquerdas não forem capazes de responder a esta e a outras questões que estão postas na conjuntura permanecerão no muro das lamentações por muito tempo.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política.
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